sexta-feira, maio 29, 2009

O TRÂMITE DA SOLIDÃO



Imagem: foto de Penedo, enviada por mail por Lauro Farias Junior.

BOA NOITE, PENEDO
(Ou na beira do São Francisco)

Luiz Alberto Machado


Aqui estou, Velho Chico
O sol nos olhos de janeiro
E a rua espia a calma das pessoas no seu lar

Aqui estou, menino grande
E que o telefone saiba que eu existo neste quarteirão de mundo

A esperar que a cerveja anime uma emoção que valha o filme da televisão

A esperar que o cinzeiro não esborre a quietude de bulir no coração

Aqui estou, Velho Chico
E o sol
Meus companheiros nesse crepúsculo tão maravilhoso
Julgava saber tudo até presenciar escunas burilando meu sangue e eu pudesse dizer ao mundo o quanto é lindo poder viver aqui, neste lugar, nesse recanto de mundo, nessa margem do tempo

A quinta-feira já se despede
Dizendo ao mundo que a vida prossegue amanhã
E amanhã de manhã estarás aí, Velho Chico
E o sol nos saudará para que incautos nos possam ver tão mágicos quanto lúcidos na vida
E
Se o sol morre agora lá na serra
Ele nasce noutra pradaria
E nós, na escuridão da noite,
Nos despedimos como se fosse a última vez

Pois é, Velho Chico, tua serenidade me seduz pro amor
Acaso possa eu ser capaz de tal iniciação
Na minha teimosia de viver

Se eu sei, quem saberá?
Prá quê saber das coisas
Dos seres
Das gias mais confusas dos pedantes?

Na verdade eu sequer sei
Como também não sabes
Nem o vórtice da ciência
Nem o douto julgador

Pois é, meu velho amigo,
Dessas horas diminutas
Tão miúdas, tão presentes
Nem sequer sabemos da poesia tão pobre, tão pura
Mera versificação duma louca vontade de dizer até o fim o que a própria deidade mais profana poderia dizer

Dizer do quê?
Prá quê dizer?
A boca fala do que está cheio o coração em possessão de segundos minutos horas

E eu digo que
Há dias meses anos décadas séculos
Quanta sede
Quanta explosão de sentimentos tão vulneráveis
Tão superficiais
Tão fingidos do que deveras sente
A quem é só coração numa noite já sem crepúsculo já sem sol sem noite sem nada

Verdadeira catarse do próprio José sem ter para onde ir não chegou a lugar nenhum
Oh! que eu nem sei nem ousaria saber

Salve nós molambos cegos retraços soltos sujos nojentos bagaços trapos inermes
E a infinitude imensa do glutão que abocanharia até plutão! Oh! não!

Ah! Só a ti, Velho Chico, a minha segunda catarse

Agora sexta-feira mais íngreme que qualquer outra
Mais lúcida que a overdose da criação no estigma do trejeito poético e no anátema das cinzas
A quem o ser não é mais que reduzido a pó
Barro que é alma
Alma que é sonho
Sonho que é nada
Nada é o que me faz dizer asneiras loucas
Próximas do sábio doido que não existe
E é infante sem saber de si
Sem saber do longe
Sem saber do perto
Sem saber de ontem ou anteontem
Sem saber amanhã de manhã
Que calendário mais hostil prá quem não sabe da desvairada transcendência do triz
Do cis
Do pró do pré do pós do mú de escorpião
Do leirão e da pedra de mó
Do dó da canção
Meu sermão
Sem refrão
Sem praia
Sem raiz
Prá laia mais luzente no sol poente de Alagoas
As loas
As coisas boas do Pernambuco
Lavor tão louco do kabuki
Do trabuco que o homem do canavial carrega nas faces queimadas da safra
E espinafra o suor insone de quem pende o outro lado da corda
Da banda
Do Chico Buarque de Hollanda
Polindo o verniz prá gente
Fiéis mais descrentes
Da fé mais desvalida
Do que me diga de Fridda
Ou de Florbela Espanca
Ou da mais singular carranca de Caruaru

Já estou nu, Velho Chico
Nem mesmo rei mais despido
No cós no vestido
Partido no meio
O veio que dá para o mar
Sabe da sua nudez

Não há mais cabeça prá imaginar o possível
No mais contrário factível de se encontrar

Há e por haver imaginação
Ou loucura
Teor maior da emanação
Desvão tresloucado do lado do não

Meu velho amigo Chico
Estou na rua
Alma nua
Transparente
O que dizer se mente
Se ela só sabe lembrar
O que dói ou o que alegra
Refrega dum labirinto
Brinco da loucura
E a voz mais pura
Solfeja o que é amar

Boa noite, Penedo, vou prá Maceió
Onde o vento canta ao meu ouvido em dó menor

Vou para Maceió descer para Recife
E se o que eu disse foi despudor
Maior o calor de sentir
A emoção do verdadeiro amor




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