sábado, dezembro 20, 2008

POETAS DE SÃO PAULO



ELIANE ACCIOLY

A MORTE DO GATO

Enquanto o gato que me habitava morria,
(sete vidas espertas e bem vividas agora moribundas)
um espelho explode um planeta,
a noite escura abate minha alma:
que mais em mim quebrando se esvaía?
Como ficar sem os muros
as heras e unhas-de-gato
as noites de cios vadios
as brigas e a malandragem
os gritos nas madrugadas as travessias de ruas?
Sem o vício por sardinha
sem as cumbucas floridas
entornando leite ou água?
Sem os dengos
sem as manhas
o novelo arrepiado
a poltrona beije rasgada
de afiar vinte garras?
Como perder o poder
e fazer tremer e correr
ratazanas e baratas?
A oitava vida se vai, lunar,
em tranças pretas e prata
Nenhum príncipe para me acordar
mas também, nenhuma torre
de onde ser libertada
A grande morte chegou?
Passada a quarentena
brotos de um verde tímido, os vigias guardiões,
me tiram da cidadela gritando uma notícia:
ouça! o poeta com martelo e bigorna
forja um dia mais
sons de bronze, as palavras,
esteira de mil sinos,
acordam a cidade, escuta!
Um último suspiro apaga a chama da pena de mim
seco os olhos, abro cortinas e persianas
com a força dançarina de mãos e braços,
e felina, (a isto não renuncio...)
espreguiço diante de um Sol acolhedor
a letargia sim espanto em uma cascata gelada
(coisa que gato abomina)
Me penteio, escovo os dentes
visto velhas pantalonas
e descalça, preparo-me para rodar
mais algumas tantas milhas
por estreitas vigílias escarpadas, não mapeadas

A surpresa

O gato-maravilha que em mim morreu
retorna às vezes, cara redonda e invisível
Sombra errante corre
a saudade de bandos vadios
e arrepia as ruas de meu corpo
Lábio de lua crescente
fixo só na aparência
ri de mim, Alice,
prisioneira dos contrários,
o país dos espelhos
onde me extravio
na aprendizagem banal e mágica
de ser humana
morria,
(sete vidas espertas e bem vividas agora moribundas)
um espelho explode um planeta,
a noite escura abate minha alma:
que mais em mim quebrando se esvaía?
Como ficar sem os muros
as heras e unhas-de-gato
as noites de cios vadios
as brigas e a malandragem
os gritos nas madrugadas
as travessias de ruas?
Sem o vício por sardinha
sem as cumbucas floridas
entornando leite ou água?
Sem os dengos
sem as manhas
o novelo arrepiado
a poltrona beije rasgada
de afiar vinte garras?
Como perder o poder
de fazer tremer e correr
ratazanas e baratas?
A oitava vida se vai, lunar,
em tranças pretas e prata
Nenhum príncipe para me acordar
mas também, nenhuma torre
de onde ser libertada
A grande morte chegou?
Passada a quarentena
brotos de um verde tímido, os vigias guardiões,
me tiram da cidadela gritando uma notícia:
ouça! o poeta com martelo e bigorna
forja um dia mais
sons de bronze, as palavras,
esteira de mil sinos,
acordam a cidade, escuta!
Um último suspiro apaga a chama da pena de mim
seco os olhos, abro cortinas e persianas
com a força dançarina de mãos e braços,
e felina, (a isto não renuncio...)
espreguiço diante de um Sol acolhedor
a letargia sim espanto em uma cascata gelada
(coisa que gato abomina)
Me penteio, escovo os dentes
visto velhas pantalonas
e descalça, preparo-me para rodar
mais algumas tantas milhas
por estreitas vigílias escarpadas, não mapeadas

A surpresa

O gato-maravilha que em mim morreu
retorna às vezes, cara redonda e invisível
Sombra errante corre
a saudade de bandos vadios
e arrepia as ruas de meu corpo
Lábio de lua crescente
fixo só na aparência
ri de mim, Alice,
prisioneira dos contrários,
o país dos espelhos
onde me extravio
na aprendizagem banal e mágica
de ser humana

VIANDANTES

Relevos e povos que sou abrem-se para ti, corsário. Chegas sem passado futuro promessas. Eu que sempre pedi e prometi descubro, no presente, somos instantes táteis, carnaval de sentidos, este fascínio. Meu corpo, corso para teus dedos mãos lábios mordiscos pele suor células, circo de areia que se desmancha. Um sol vermelho agoniza na tua boca, enseada onde encontro peixes azuis, sal, marés, e meus delírios. Brincamos de liberdade, rimos, e quando não mais suporto essa soltura conjugo verbos de conjurar o medo, me agarro aos nossos nomes entrelaçados _ o meu o feminino do teu, e crio crenças, meu amor, mitos, tantas histórias de impedir o nosso tempo juntos se esvaia.

TEATRO

os personagens
apresentam-se
na flor da carne

SILÊNCIO

as faces
côncavasde seu olho,
espelhos
negros micro-
firmamentos
piscinas de estrelas
e peixes abissais:
cegos videntes

ONÍRICO

Quem somos?
Amores inquietos?

Chego de visita a tua casa
o cão me fareja, não ladra,
talvez reconheça meu cheiro

Não me recordo ter estado aqui,
parece a primeira, embora,
a tua casa seja a minha casa
desde os primórdios

Esta certeza não vem de lembranças, vem dos sentidos:
conheço os cantos, o macio e o áspero,
e o gosto dos objetos se confunde com os sabores do teu corpo

Na intimidade de nosso quarto mulheres me espiam,
a toalha que me cobre cai,
delata minha nudez

As mulheres servem suspiros em um prato,
claras em neve e açúcar amorenados de forno

Os suspiros, pequenos cones,
são corvos e augúrios
e crocitam doces passados em minha boca

Fruto-bendito entre as mulheres,
atento a poemas, não me percebes

ELIANE ACCIOLY - Eliane Accioly Fonseca, poeta e terapeuta. Psicanalista, educadora somática-existencial, pesquisadora e ensaísta. Mestre em Psicologia Clínica e doutora em Comunicação e Semiótica, PUC São Paulo. Parecerista da Revista de Psicologia Perfil, da UNESP, Campus de Assis. Há duas décadas investiga as diferenças e convergências, encontros e discrepâncias entre os ofícios poético e terapêutico, práticas cotidianas, cartografando fronteiras entre a clínica e a arte. Livros publicados: Histórias de Ventania. São Paulo, Massao Ohno, São Paulo, 1990. Trapeiro de sonho. Coleção Almanaque de Minas, Mulheres Emergentes Ed.Alternativas, MCMXCVII, Belo Horizonte, 1997. A palavra in-sensata, poesia e psicanálise. São Paulo, Escuta, 1993. Corpo-de-sonho, arte e psicanálise. Annablume. São Paulo, 1999. Poemas na Arena. Mulheres Emergentes Ed.Alternativas, Belo Horizonte, 2001. Terra e Tear. In Setevozes, São Paulo, Ed. Do Escritor, 1998 "As Interfaces de Helena Armond". In: Armond, H., Em Busca do Elo Perdido. São Paulo, Escrituras, 2000.

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