segunda-feira, novembro 10, 2008

PRIMEIRA REUNIÃO



C´EST LA VIE, C´EST FINI

E se, de repente a gente não sentisse a dor que a gente finge e sente. Se, de repente, a gente distraísse o ferro do suplício ao som de uma canção. Então, eu te convidaria pra uma fantasia do meu violão. Canta, canta uma esperança. Canta, canta uma alegria. Canta mais revirando a noite revelando o dia noite e dia, noite e dia. Canta a canção do homem. Canta a canção da vida, canta mais trabalhando a terra entornando o vinho canta, canta, canta, canta. Canta a canção do gozo, canta a canção da graça, canta mais preparando a tinta, enfeitando a praça, canta, canta, canta, canta. Canta a canção de glória, canta a santa melodia, canta mais revirando a noite, revelando o dia, noite e dia, noite e dia" (Fantasia, Chico Buarque).

Luiz Alberto Machado

Eu sempre tive mais do que mereço. Sabia, não. Não sabia. Sabia. Agora é tarde a dúvida. Viver é duvidar. Agora rumino, definho, esperando a morte chegar. Agora é tarde. Ou não seria cedo demais.

Eu tive mesmo muito mais do que merecia. Obrigado, vida, viver é duro demais. É duro demais viver.

Não merecia a cortesia dos amigos. Obrigado, gente, fui feliz e não sabia nada de felicidade. Isso porque nunca vi no olhar a cumplicidade.

Não merecia a ternura fêmea a me carinhar. Eu nem sabia quão fácil era amar sem saber do ódio, quando o amor é paixão que dói nos nervos. E no coração.

Não merecia mãe dedicada. Nunca fui nada, não lhe dei os sonhos esperados.

Não merecia o pai complacente, eu sempre fui tacanho demais para tê-lo compreensivo nas minhas horas minguantes.

Não merecia sonhar as estrelas no olhar, obrigado mundo pelas coisas que só eu soube ter.

Não deveria jamais ter a sorte que tive e fui contemplado, sempre tive mais, muito mais que o merecimento, confesso. Tudo me foi dado. E eu porco para ouro.

Não merecia o fruto do quintal, a sombra do abacateiro, o mormaço da carícia nem o perdão tardio que eu nunca soube haver.

Não merecia a palavra, nem o gesto, nem o lábio e o olhar, muito menos a espera e o ventre brotando qual rosa esplêndida na tarde da perda.

Obrigado por não ter que agradecer a nada. Nem a mim.

Obrigado rio que matou a minha sede e me afogou. E me ensinou a errar.

Sabia que a vida valia a mão do menino. E eu, esse menino, desfaleci.

Aí vivi porque morrer é só mudar de lado e ver o não visto, viver o não vivido e sonhar o que não se sonha.

Obrigado sol que me ensinou o frio. A vida enregela nossa alma e sobra só uma pedra no peito.

Obrigado noite que me deu luz onde não via. E eu morri no primeiro sorriso da menina.

Obrigado dia porque me ensinou morrer.

Obrigado rosa, o dar-se sem saber o que é dar.

Obrigado, amigo, antes soubesse solidarizar-me.

Obrigado a todos. E a tudo.

Nada mais tenho que oferecer, nada mais me resta. Só a gratidão de você. Obrigado, você.

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