quinta-feira, outubro 02, 2008

POETAS DO RIO DE JANEIRO



RICARDO ALFAYA

PORTA-ALMA

Não cabia na cômoda
Nem mesmo no cômodo
Não cabia em si
Não tinha o menor cabimento
Móvel de alças balançantes
Contendo objeto invisível
Num buraco vazio
No peito
Dentro

MEDITAÇÃO

A mão insana tateia
Procura um objeto
A mente não concebe
O espírito puro
No ocaso da tarde
A tentação serpenteia
Tudo que nos rodeia
É vermelha maçã

NU E CRU

Súbito
Cai a chuva fina
Rei Lear estou nu
No meio da tarde
Quem me disse que a liberdade
Se acha na total nudez?
Sinto frio medo arrepio surpresa
E alguma vergonha
Quero roupas
Roupas agora
Que me agasalhem
Que me permitam andar
Sóbrias coloridas brilhantes
Bizarras que sejam
Porem roupas
Panos turbantes capas
Chapéus sandálias echarpes
Camisas com seus botões
Não importa se de linho
Seda crepe algodão
Preciso de roupas
Fantasias que cubram meu corpo
Para me descobrir.

TEMPESTADE CEREBRAL

Este é apenas um poema
Escrito não consumível
Conquanto lógico-linear mastigável
De teor circunspecto circunscrito
Este é um poema de circo
A rígido rigor adstrito
Palavra podada
Enxuta exaurida exumada
Medida calculada
Nota in extremis
Proscrito post scriptum
Um objeto na enxurrada.

DAS COISAS E DOS SERES

Um punhado de tinta vira um quadro
Do barro se ergue um homem
Enquanto outro cai e vira fera
Num susto uma criança cresce
Termina busto de bronze no meio da praça
Um ventilador se modifica em vento
E se não abuso do invento
Palavras de nada viram poema de ser
A água endurecida se faz gelo
Se amolece logo se evapora e vai embora
Um bom relógio dá um duro patrão
Uma estátua idolatrada muda em santo
O santo se transforma em marca de sapólio
Ou quem sabe até seu nome batize
Uma nave para Marte
Da Terra tudo parte.

INTERNOTA

Ao infinito mar
Devolvo o punhado de areia
Mão cheia
Sob a lua que espreita
Na água deito as letras
Que
Poetam
Sobre paginas flutuantes.

VIGÍLIA

Quando a vida
Tomba
Tomba
Tomba
Pietá
Em meus braços
De
Caída
Plena
Em pleno
Cansaço
Oh
Não
Adormeço
(a morte
Espreita
Meus passos).

DERRADEIRO PÓS

Época de ouro
De instantâneo ouro em pó
De competição e mesquinharia
Teu caso é insolúvel
Teu ocaso inevitável
Junta todas as quinquilharias
Põe no museu tua mobília
Olha para os teus
Pede perdão
E dize adeus.

PESCADO NAS ÁGUAS DE RIO

A vida não é exatamente qual rio
Embora vá prosseguindo em frente
Nem sempre segue reta para o mar
Na maioria das vezes vagueia tonta
Tão sem remo sem rumo e sem rota
Se desconhece leme na terra à vista
Que dê remédio à tontura e a aprume
Que arrume a seta do vago navegar
Para quem o mal deplora, o consolo:
Não existe nau que para sempre dure.

SUEJITO A OBJETOS

Objetos em toda parte
Cercam os sujeitos
Pode ser um trapo um troco um troço
Ou de tudo isso o oposto: o máximo colosso
Um objeto é um parafuso
A maquina
A engrenagem toda
O sistema inteiro
Oculto no sujeito
Um objeto por certo
É meu corpo
Quando imóvel morto
Em que momento um ser na fortuna roda
E em trivial mercadoria se transforma?
Diga-me Karl
Responda-me Leibnitz,
Digam-me ainda quando ao contrário
O efêmero elemento da terra se levanta
E em arte inesperada se sublima
Transformando-se em perene monumento.

VAPORES DE MARÇO

Dia de março
Calor e mormaço
Poemas se evaporam
No computador suor à solta
Lembro-me do chapéu de Lampião
Antropofágica e sublime mutação
Da carapuça de Napoleão
O primeiro tombou sob o sol
O segundo se atolou na neve
Para todo chapéu
Uma cabeça breve.

TABULEIRO DE DRAMAS

O tabuleiro de dramas está cheio
Cavaleiros de outros
Valentes caras-de-pau
Damas à beira das camas
Canastrões à beira do caos
Há vilões de montão
Toneladas de heróis de araque
Muitos escondem a fraqueza nos fraques.

RICARDO INGENITO ALFAYA – O poeta, escritor, editor e advogado carioca Ricardo Alfaya, é formado em Direito pela UFRJ e em Comunicação Social – Jornalismo pela Facha. É autor dos livros: Através da Vidraça, poesia, São Paulo, Poeco Editores (atual João Scortecci Editora), 1982. Sujeito a Objetos, inserido em Rios, coletânea de Poemas, Rio de Janeiro, Ibis Libris, 2003, obra coordenada e patrocinada por Márcio Catunda, onde também se acham Elaine Pauvolid, Tanussi Cardoso e Thereza Christina Rocque da Motta. Integra 23 antologias. Obteve 22 prêmios literários, destacando sua inclusão por Leila Míccolis no projeto Brasil 500 Anos de Poesia, seleção dos mais significativos nomes da poesia brasileira, desde suas origens. É editor do Nozarte Informativo Impresso e Eletrônico, premiado pela IWA, International Writers Association, Estados Unidos, em 1995. Os textos selecionados integram o “Sujeito a objetos” incluído na antologia “Rios”. Veja mais Ricardo Alfaya.

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