terça-feira, setembro 30, 2008

POETAS PERNAMBUCANOS



JUAREIZ CORREYA

AO NASCIMENTO DO SÉCULO 21 E DO TERCEIRO MILÊNIO

Somos os pais criadores
e a juventude que tudo renova
do futuro de um Tempo melhor.
Criamos com as nossas mãos imperfeitas
o que nenhuma geração criou
nas Terras e nos Céus.
Com a nossa limitada humanidade, criamos
o que a memória do Homem não registra
e todos os Deuses invejam :
criamos com o Amor
das nossas vidas finitas
o Amanhã e a Eternidade.

ARTE DO AMOR

Deixa que o teu corpo
Se entenda com o meu corpo,
Eles se entendem muito bem.
É que antes as nossas almas
Já se entenderam também.

A NOSSA CIDADE

Nenhuma cidade
é mais bela
do que a nossa.
Sabes por que ?
É nela que descobrimos a beleza.

Existem as sombras, as carências, as negações,
as extremas frustrações
e a insensibilidade dos nossos irmãos.
Mas é na cidade onde nascemos
que descobrimos o encanto de uma rua,
a magia de um beco,
a explosão de uma praça,
a necessidade de um vizinho,
a pobreza do universo de alguém,
na própria família,
a alegria intraduzível das crianças
e a primeira emoção do amor.

Na nossa cidade, mesmo que ela nos ignore,
Sabemos que a humanidade existe
E que somos parte essencial dela.

O mundo ?
O mundo nasce na nossa cidade.

RIO UNA (PALMARES)

da janela do hotel
vejo o rio
Una Una negro negro
refletindo verdes
terras canaviais montes

o rio se move
e as águas parecem paradas
passantes ? errantes ?
a água é terra líquida
e o céu não tem
no sol da tarde
o mesmo brilho do seu leito

o rio não passa
não vai a lugar nenhum
o rio fixa-se no corpo da cidade
como um colar
enfeitado pelo seu colo
cobra coleando os limites urbanos
além do tempo
além da vida

AOS HOMENS

As mulheres não entram na tua vida
como um raio de sol,
um acompanhamento inesperado,
uma pedrada.
Já pertencem a ela, integram a tua vida
como o teu sangue, tua naturalidade,
tua terra.
Elas não são parte do teu destino
como uma dádiva de Deus.
As mulheres são o que tu crias
e a perfeição humana
do teu barro.
Existem como encanto e tragédia
e jamais viverás
sem que elas respirem e te pronunciem.

Teu nome só existe
porque a mulher te identifica.

HISTÓRIA AMOROSA DO POETA J.C.

Despertou com todas as mulheres do seu mundo
Como num ritual orgíaco
Profano e sagrado.
Despertou de dentro da companheira na cama
Como se estivesse desencorpando
Prazeres delírios encantos encontros
Vividos com sabedoria e avidez
Na vida dos seus anos.
Despertou e ao seu lado viu
Como queria
A mãe da sua filha
E a mãe dos seus filhos
A amiga recifense de vinhos e comidas portuguesas
A que um dia, em Olinda, sonhou enamorar-se e possuí-lo
E viu retornar uma paulistana que se pernambucanizou para viver
melhor com ele
(mesmo com o drama de um aborto infeliz)
E outra paulistana que o amou em Palmares e o desamou
em São Paulo
Uma mineira com um corpo imenso esmagando o seu corpo
em hotéis baratos do centro da Paulicéia
E a pintora fugitiva que o retratou com fúria e destruiu o seu retrato
com frustração e medo
Uma mulher branca como uma glória
Uma morena com desejo de ser negra
Uma negra do tamanho de Itu
Uma morena clara como um riso na rua
Uma branca tímida que o assaltou num domingo na Praça da República
Uma mulher com sustos em cada foda devorada
O corpo cheio redondo perfeito alegre e sorridente de Nena menina
A que se encontrou em São Paulo perdeu-se em Campina Grande e não pôde
[ libertá-lo no Recife
A beleza germânica, terrena e solar, de Elisabeth, desterrada além de fronteiras
[ mapas culturas e de uma desilusão oceânica
Um encantamento adolescente desencontrado numa noite adulta
A poetisa de fome leonina devorando o seu corpo como um bicho fraterno

A tia sensual e carnosa com desejo e medo de incestuoso carinho
A primeira mulher, anônima, repentina como um flashe, que viu nele nascer
[ o Homem
O primeiro beijo a emoção primitiva e máscula na festa de um abraço sem jeito
O corpo da primeira namorada entregue em casa que ele não soube amar
E todas as mulheres passageiras furtivas eclipsadas em encontros
Poéticos desejos eróticas fantasias e sexo sem poesia
Corpos e almas presentes identificados e sem nome
Como um desencontro amoroso
- Rio sem margens para além da memória –
Psicodigitado pelo coração
Renascido com alegria
Da sua vida mais viva
Em cada palavra e verso imorredouro deste poema.

AUTO-RETRATO EM 3 TEMPOS

Sou o que sou, minhas palavras.
Além disso, referencio Palmares
- cidade perdida no cu do mundo,
um Pernambuco quase sem terra no mapa,
brasileiro Brasil hino sem estrela&brilho
bandeira ao vento sem ordem e progresso.
Filho de pai alagoano e mãe pernambucana
- ele de pouca leitura ela analfabeta
(almas sensíveis encontradas na Mata do Una)
como os avós paternos bichos alagoanos caboclos mundaús
e os avós maternos índia e branco do mesmo barro.
Filho mais velho
em companhia de um irmão e quatro irmãs
e pai de dois filhos e filha
já criados nus como nasceram.
De estatura massa corporal suficiente
para viagens terrestres e extra-viagens
além dos limites do próprio corpo
alma-espírito em sintonia com o universo.

Feições limpas pele clara carne viva
de uma beleza única incompreensível
e nunca vista
como a de todo poeta
- porque ninguém mergulha dentro de mim.
Poeta desde que me descobri homem
com destino certo entregue à Poesia,
Ssem precisar de arautos autorizações e atestados críticos
ou qualquer formação na escola dos outros.
Aprendi na vida sem me enganar
e porque sou poeta
sei antes de ler e escrevo sem saber o que escreverei.
Tenho no coração provinciano a grandeza de São Paulo
E pela metrópole do meu cérrebro acordado 24 horas por dia
Sonho a cada segundo uma única cidade humana.
Escrevo porque é preciso escrever
porque os homens precisam que os poetas escrevam
e lhes dêem notícia deste mundo e de outros mundos que eles não conhecem,
Escrevo porque o meu coração se abre a todo instante
para falar em voz alta sem medo
negando o Silêncio a Solidão e a Morte.
verbo em vida me inscrevo
com a nudez humilde dos que nascem
e o despojamento corporal dos que morrem.
Escrevo sanguíneo rio-mar vertigem sem parar
no turbilhão de mim mesmo
encarnado em cada verso canção poema
com uma eternidade em meio século de idade.

Sinais particulares :
poemas sem corpo e sem título,
doidice e uma maldita lucidez,
uma mulher – A América,
canção proibida – Amar Recife,
a cidade atravessada na garganta,
coração portátil alegre indignado e ferido,
um Nordeste em carne & osso,
palavras sempre mais humanas,
um milênio de setembros
e futuros perfeitos.
Todas as inumeráveis páginas que escrevo
são só um único poema
ou mesmo um único verso.
Eu sou cada palavra que você lê guarda preserva desdenha ou destrói
E morro quando você não abre o livro
E vivo quando você me pronuncia.

HILDA E O TESOURO DA JUVENTUDE

Ela o descobriu e o iluminou
Com palavras amorosas
E a boca cheia de poesia e beijos.
E ele como um cigano perdido
De cidade em cidade
Não foi capaz de possuir
O seu corpo em dádiva
A sua carne em fogo
E se fazer seu homem.
Perdeu-se o seu amor um dia
E nunca mais pôde sequer ouvir
Sua pronúncia rouca anunciar-lhe o nome
Ou vê-la passar como uma saudade
Nas mesmas ruas e praças
Onde inventaram a juventude
De suas vidas.

RUA DO HOSPÍCIO, BOA VISTA DO RECIFE

Quando contemplas a rua
contemplas a rua
como uma banalíssima coisa tua.
As caras informes
o circo passante
de todos os dias
as mesmíssimas vias diárias
do povoado pó da cidade
real ou imaginária.
Contemplas a rua
do Viena onde estás
e talvez a rua te veja
nessa mesa.
Já mudaste de mesa
e viste o outro lado da rua ?
Além da igreja
No espaço onde sempre avistas um teatro
em lugar do parque existe a praça
com nome e identidade oficial.
E aquele edifício de 1909
(jamais visto antes)
um Macena’s Bar indecifrável
lanchonete onde Clarice Lispector
nunca menina lanchou
nem viu estrelas ?

ASCENSO NO OCO DO MUNDO

para Maria de Lourdes Medeiros,a companheira.

És nome de rua
Em Palmares, Recife, Natal e São Paulo.
Uma praça no Recife também.
Um colégio estadual,
Um edifício público,
Um sobrado de luxo em Boa Viagem...
E não tinhas, tua, sequer pelo BNH,
De chão medido e papel passado,
Uma casa própria onde morar...
Como dizia Mestre Vitalino, de Caruaru,
Não seria melhor uma casa no teu nome
Do que o teu nome numa rua ?

COMPOSIÇÃO DO PÁTIO DE SÃO PEDRO

Um céu mais azul
Talhado de casarões
Um sol assado
De brilho e chão
Uma paisagem de manhã
No descampado do Bangüê
Um vinho de sangue
Na alma do meu corpo
No dia mais deserto e solitário
Da alegria de ser desta cidade

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL DO RECIFE

As igrejas transformaram a Cabugá
No Mercado Universal de Deus :
Todas as manhãs tardes e noites
Os evangélicos apregoam às almas oprimidas
A existência de um Cristo-Mercadoria
E inventam e reinventam a Via-Crúcis
Pelo corredor de ônibus e carros e gente desenfreada
Desfilando Cristo-Morto-Carregando-os-Vivos
Donos das Igrejas e das Religiões.
Com a sua procissão de templos fanáticos
A Cabugá tem a mesma cara terrorista
Da Avenida Caxangá, no outro lado da cidade :
Uma via interminável de casas mortuárias
Oferecendo as portas do Céu ou do Inferno,
Que custam os olhos da cara,
Ou a Vida dizimada em infinitas prestações.

MÁRCIA NUA

Gosto da tua nudez
Da pele clara e lisa
Luz da manhã
Poema inaugural do meu dia

Gosto da tua carne
Nua macia quente
Um sol nas minhas mãos
Nuvem concreta como um sonho

Gosto do teu corpo
Da pele da carne do sexo
Aberto como flor e fruto
Gênese da criação e eternidade

DOIS PORTOS DE PERNAMBUCO

Dois Portos
- cidade município
onde português e espanhol
e negro e branco e índio
e todas as Línguas
se encontram e se misturam.
Dois Portos
- distâncias tão próximas,
vizinhos e unidos,
uma só terra,
uma só gente,
dois nomes fundidos num só
e assim mesmo plural :
Porto de Galinhas
e Porto de Suape,
uma única cidade municipal
(para onde se chegava no passado,
para onde se chega no presente,
para onde se vai no futuro)
- Dois Portos de Pernambuco.

Dos portos de Pernambuco
será dito, hoje e sempre,
que só existe para o mundo
o que o mundo vê e quer :
Dois Portos.

RUA SETE

Havia uma rua no Recife
uma rua central
para onde tudo acorria.
Rua mágica
(impossível de existir)
onde tudo existia.
Rua de jornais livrarias casarões teatros e fantasias
como um carnavival.
Nós sofre mas nós goza”,
dizia Tarcísio da Livro 7
da Rua Sete
da Síntese de Suely Pereira
da Saraiva multinacional
e das rurbanas Lojas Americanas.
Rua de poetas e de poesia
de manhã de tarde e de noite
como se a vida fosse
só Poesia.
Uma rua assim tão aberta
tão certa
de que o mundo nela existia
e que jamais o deserto
a habitaria.
Uma rua inteira tomada
de luz de alta inteligência
e de delírios sem sombras
e de sonhos sem medo.
Uma rua construída
de homens e livros
- como se constrói uma Nação – ,
uma rua verdadeiramente habitada.
Nela viveu a Geração 65
e as gerações de todos os malditos
do Século Vinte.
Por ela andaram
- como se estivessem na Mata –
Osman e Hermilo.
Por ela passearam
- como se no Agreste vivessem –
Héber e Homero Fonseca, Carrero e Gilvan Lemos.
E por ela cantaram e dançaram
- gênios do fogo do Sertão –
Jó Patriota, Zé Praxedi, Otacílio e Lourival Batista.
Para Gilberto Freyre, era uma pan-rua.
Para Fernando Sabino, um maracanã.
Para Dom Hélder Câmara, um caminho de libertação.
Um dia a Rússia virou capitalista
no palco da Rua Sete
com o poeta Yevtuchenko.
E os Estados Unidos
nunca seriam uma nação socialista
se Sidney Sheldon não distribuísse
mais de mil livros na Rua Sete.
Tudo isto de verdade acontecia e aconteceu...
Até Ascenso Ferreira
(que não a conhecia)
na Rua Sete renasceu.
Rua de Cultura e de Grandeza
(como num hino do Interior de Pernambuco)
a Rua Sete de Setembro
da Boa Vista do Recife
sempre brilhou
e sempre brilharia
mas por artes diabólicas do Destino
no começo do Século 21
pura e simplesmente se acabou.

JUAREIZ CORREYA – O poeta, escritor, editor e produtor cultural pernambucano, Juareiz Correya, publiquei o seu primeiro livro de poesia, sem título, em São Paulo, no ano de 1971. Coordenou no Recife, de 1980 a 1983, a publicação da Revista POESIA (10 números). Publicou, entre outros, os de poesia: AMERICANTO AMAR AMÉRICA (1975/1982/1993), O AMOR É UMA CANÇÃO PROIBIDA (1979), CORAÇÃO PORTÁTIL (1984/1999). Organizou e publicou as antologias POETAS DOS PALMARES (1973/1987/2002) e POESIA VIVA DO RECIFE (1996). Possui três livros de contos inéditos. Idealizou o projeto da FUNDAÇÃO CASA DA CULTURA HERMILO BORBA FILHO, criada em Palmares (PE), pelo prefeito Luiz Portela de Carvalho, e presidiu essa instituição de 1984 a 1987 e de 1997 a 2004. Dirige no Recife (PE) a Panamérica Nordestal Editora e Produções Culturais, onde coordena a Coleção Poesia da Cidade. Ele possui poemas publicados em antologias paulistanas, pernambucanas e nordestinas, e em revistas e jornais brasileiros. Prepara, para publicação em 2009, o livro AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS DO SÉCULO 20 (poesia publicada). Possui, também prontas para publicação, as antologias EM NOME DA AMÉRICA – Poemas Brasileiros do Século 20 e POESIA VIVA DE SÃO PAULO (em parceria com Dalila Teles Veras). Publica, na Internet, estes blogs: LETRAS&LEITURAS (letras-leituras.blogspot.com), PANAMÉRICA (jcorreya.blogspot.com) e O BLOG DOS BLOGS (www.juareizcorreya.blog-se.com.br). Poemas selecionados do livro “Poemas do novo milênio”.

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