quarta-feira, julho 09, 2008

POETAS DA BAHIA



WASHINGTON QUEIROZ

MEU VERSO

Meu verso não tem malabarismos
É seco: grito de arara ecoando na pedra
Do teu coração que bate, que bate
Não tem pétalas, segredos, ecos:
É um estilhaço fervendo, voando louco,
Sem paragens ou abrigo.
O verso é nada e não está comigo
- está no doido da esquina
na continência do bêbado, está em mim.
Meu verso não presenteia amores. Antes,
Está nas torturas, nas duras dores.
E além, meu verso não é poesia
E não agrada: é brasa que fere o olho
E a paisagem sagrada.
O verso enfim não está em mim;
Gira no planeta, acomete doenças,
Não quer ser lírico ou laço.
E foge do fogo dos que criaram
As alegrias todas, tidas e vindas.
Das danças e manifestações do prazer
Se esconde. Inconformado, meu verso
Não quer ter.
Assim, aos domingos meus verso não vai às igrejas.
Brinca com prostitutas, puxa punhal, navalha,
Dorme na sarjeta.

ACENO AOS MEUS FILHOS

Meu coração,
Com Sísifo, aprendeu a ser Urso.
Indomável ao amar
(presente vermelho na janela)
meu coração
do século despetala-se.
Naufrago, urticante de caravelas,
No movimento das ondas,
Meu coração arqueja e cala-se.

DAS CERTEZAS DO TEMPO

Há uma certeza na página em branco
Do tempo que nos habita.
Há, sobretudo, uma convicção absurda,
/ plausível /, de que somos viáveis.
Em nosso tom pálido: a esperança muda,
(turvo olhar das praças adormecidas)
ida das crianças de ontem, de hoje,
de amanhã e sempre.
Que assim seja. Pois assim que o homem;
Assim quer deus; assim eu quero. Amem.

GEOGRAFIA DOS DIAS

Esta geografia do silencio,
A face muda/mudo
Calendário – a passar, passar....
Os dias/ímpios
E os segredos invioláveis.
Meu filho tecendo nuvens
Ante meu rosto mudo;
Tecendo suas cirandasm
Perplexo, meu rosto mudo.
“ – Pai, por que o rosto mudo?
porque o rosto mudo?”
- A geografia dos dias:
diáfana,
efêmera,
/ meu rosto mudo.

ANDANTE

Ai que vontade de amar, de amar, de amar
Como uma bola de sabão
Que morre colorida
Num dia totalmente azul

O MUNDO EM UM DEDO

O mundo realizado
A vida realizada
O momento realizado
E o dedo na boca.

AUSÊNCIA

Nada é tão cruel
Como os pássaros.
Cantam, cantam, cantam
E depois voam
Para aquele ponto negro
Que existe em qualquer homem.

ESTUDO PRIMEIRO PARA MAR, GAIVOTAS
SINTETIZADOR, VIOLONCELO E VIOLINOS


As gaivotas não voltam.
Os mares são sempre amanhã.
Cântico de pios / estrondo de águas:
Melodia zoohidrica
Sob o azul paciente dos violinos.
As gaivotas não voltam.
Os mares são sempre amanhã.
Nostalgia bramindo em sussurros,
Em chiados, feito sintetizador;
Em roncos, feito violoncelo.
As gaivotas são sempre amanhã, pois
Os mares não voltam.

TOQUE DE CRISTAL

Granítica
É a palavra amor
Diamantina
É a palavra ódio.

O PÁSSARO

Extrair do passaro a cor
O canto,
A policromia do vôo;
Extrair o encanto do trissílabo
Que planificamos no asfalto?

OS ENTES QUERIDOS

Todas as tardes
Visitava aquele casarão
Antigo, à beira do lago.
Passava horas a olhá-lo
Como quem recompunha uma história.
Em uma tarde foi-se o casarão
E o lago também.
Então ele juntou-se aos destroços.

AUTOCONHECIMENTO

Os dias de excessiva luz
Nos fazem tropeçar em cismas.
Assim falava um homem
Cego, de bengala, que cruzava a rua.

PALAVRA: O SER E O NÃO SER

As palavras ditas
São ontem:
Perderam o fogo do silêncio:
A voz da brisa que (às vezes)
Persegue a consciência,
Perderam.
Quando são ditas já fora o imã,
O enigma, o magma já fora.
As palavras mudas:
Essa estranha vontade de dizer,
Essa estranha maneira de dizer.

DOS CAMINHOS

Aquele bonde velho
Que encalhou diante da bifurcação
Se traz uma dor na ferrugem
No peito rosas não levava.

OS METAIS

A música que compõe o verso
É feita de metal,
Danças místicas, punhal:
/ cascavel-amante/
com anéis na janela
e cálices na alma.

TOLERÂNCIA

Todos os dias
Eu me aguardo.
Todos os dias
Eu me aguardo.

O CINZA DO AZUL

Nesta azul compus um verso torto
Cheio de silencio e amargo;
Um verso esconso e cansado:
Verso e reverso.
Não do azul
Mas do estrôncio, do arsênio
Que o azul guarda.
Que é o azul
Senão uma muito leve esperança?
Um verso carpido: cicatriz de mandacarus
Ou canto de gavião, ermo, errado
Desenganado, como todos os versos
Do azul nascidos?
Adunco soluço em asas partidas,
No peito o amálgama
No dorso a ferida?

WASHINGTON QUEIROZ – Nasceu em Feira de Santana e reside em Salvador. Poeta, antopologo do IPAC, ex-professor de antropologia da UFBA, tem trabalhos realizados em etnologia indígena e tradição oral sertaneja – vaqueiros. Participou de diversas antologias e salões de artes plásticas com premiações. É um dos fundadores da Revista Hera. É autor do livro A dança dos véus: fantasia e fuga, dentre outros livros.

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