terça-feira, abril 08, 2008

POETAS DO RIO DE JANEIRO



ARTUR GOMES

ALGUMA POESIA

I
Não. Não bastaria a poesia
Deste bonde
Quedespenca lua
Nos meus cílios.
Num trapézio de pingentes
Onde a lapa
Carregada de pivetes nos seus arcos
Ferindo a fria noite como um tapa
Vai fazendo amor por entre os trilhos.

II
Não. Não bastaria a poesia cristalina
Se rasgando o corpo
Estão muitas meninas
Tentando a sorte
Em cada porta de metrô.
E nós poetas desvendando palavrinhas
Vamos dançando uma vertigem
No tal circo voador.

III
Não. Não bastaria todo riso pelas praças
Nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
Com os pardais despedaçando nas vidraças
E as mulheres cuidando dos seus filhos

IV
Não bastaria delirar Copacabana
E esta coisa de sal que não me engana
A lua na carne navalhando
Um charme gay
E um cheiro de fêmea
No ar devorador
Aparentando realismo hiper-moderno,
Num corpo de anjo
Que não foi meu deus quem fez
Esses gosto de coisa do inferno
Como provar do amor
No posto seis.
Numa cósmica e profana poesia
Entre as pedras e o mar do arpoador
Uma mistura de feitiça e fantasia
Em altas ondas
De mistérios que são vossos.

V
Não. Não bastaria toda poesia
Que eu trago em minha alma
Um tanto porca,
Este postal com uma imagem
Meio Lorca:
Um bondinho aterrizando lá na Urca
E esta cidade deitando água
Em meus destroços
Pois se o cristo redentor
Deixasse a pedra
Na certa nunca mais
Rezaria padre-nossos
E na certa só faria
Poesia com os meus ossos.

TERRA DE SANTA CRUZ

Ao batizarem-te
Deram-te o nome:
Puta
Posto que a tua profissão
É abrir-te em camas
E dar-te em ferro
Ouro
Prata
Rios, peixes, minas, mata
Deixar que os abutres
Devorem-te na carne
O derradeiro verme.

RETÓRICA

Salve lindo pendão que balança
Entre as pernas
Abertas da paz.
Sua nobre sifilítica herança
Dos rendez-vous
De impérios atrás.

TROVA

Meu coração é tão hipócrita
Que não janta
E mais imbecil
Que ainda canta:
Ou
Viram no Ipiranga
Às margens plácidas
Uma bandeira arriada
Num país que não levanta,

ECO LÓGICA

Fosse o Brasil
Mulher das amazonas
Caminhasse passo a passo
Disputasse mano a mano.
Guardasse a fauna e a flora
Da fome dos tropicanos.
Ouvisse o lamento dos peixes
Jandaias, araras e tucanos
Não estaríamos assim condicionados
Aos restos do sub-humano.

TERCEIRO MUNDO

Sonho rola no parque
Sangue ralo no tanque
Nada a ver com tipo dark
E muito menos com punk
Meu vício letal é baiafro
Com ódio mortal de yanque.

SUB/VERSÃO

Só desfraudando
A bandeira tropicalha
É
Que a gente avacalha
Com as chaves dos mist´rios
Dessa terra tão servil.
Tirania sacanagem safadeza
Tudo rima uma beleza
Com a própria/mãe que nus pariu.

ART POP

Macunaíma
Ilumina o lobisomem
Na selva de new York
O rato roeu a roupa
Do gênio da art pop
Nosso samba popular
Não precisa ser star
Cantando rock.

GELÉIA GERAL

A coisa por aqui
Não mudou nada
Embora sejam outras
Siglas no emblema
Espada continua a ser espada
Poema continua a ser poema

MAGIA

Quando meto pés
Em tuas matas
Selvagem índio
Passaro animal
Devasto céus sem ter limites
Com poesia sobrenatural

TROPICALHA

Vendo a lua leviana
No império das bananas
Papagaios periquitos
Graviola
A fruta eu chupo morena
Semente eu planto cigana
Na selva pernambucana
Nossa língua deita e rola.

ARTUR GOMES – o premiado poeta, ator e artista gráfico carioca Artur Gomes foi o criador da Mostra Visual de Poesia Brasileira, em 1983, e também do Projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim, realizado em Campos dos Goytacazes (junho 95), Ouro Preto (julho 95), São Paulo (outubro 95) e São Caetano do Sul (novembro 95). Criador do seu Ateliê de Performance, ele viajou por diversas cidades do país com um espetáculo de Dança.Teatro.Poesia, ao lado da bailarina Nirvana Marinho (Curso de Dança da Unicamp), sendo ainda coordenador e participante de diversos movimentos teatrais e poéticos. Ele é autor dos livros: Couro Cru & Carne Viva foi premiado no Concurso Internacional de Poesia da Universidade de Laval-Quebec, Canadá, em 1987; o Suor & Cio são partes dos objetos de estudo para tese de Doutorado em Antropologia do Historiador Jorge Santiago, em Paris, dentre outros livros. Em 2000, lançou Brazilírica Pereira, A Traição das Metáforas, sua primeira obra de ficção e, em 2002, o cd Fulinaíma - sax, blues e poesia, com Dalton Freire, Luís Ribeiro, Naiman e Reubes Pess.



FONTE: GOMES, Artur. Couro cru & carne viva. Rio de Janeiro: Damadá, 1987.

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