sexta-feira, fevereiro 15, 2008

PRIMEIRA REUNIÃO



Imagem: Sickle, Bandolier, Guitar, 1927, da fotógrafa e atriz italiana/mexicana Tina Modotti (1896-1942).

EPÍGRAFE

Choro um mundo morto, mas não estou morto eu que o choro” (Píer Paolo Passolini).

Luiz Alberto Machado

Hoje é uma segunda-feira de julho.

Poderia ser uma quarta de um dia branco, ou quinta invernosa, ou domingo sombrio ou qualquer dia de maio ou janeiros da vida no tédio da minha existência.

Hoje é uma segunda-feira de julho.
Estou pra viver.
Estou para que o mundo possa girar na luz dos meus poros.
Estou pro que der e vier.

Hoje é uma segunda-feira, amanhã será terça e não haverá futuro. Todas as terças são as mesmas quartas e dão nas quintas que não passam de sextas que rebatem no sábado e nada mais são todos os dias que um domingo sombrio em qualquer maio ou janeiro da vida no tédio da minha existência.

As pálpebras serenam muralhas e ardem nervosas no meu cérebro de sonos incinerados.
As pálpebras e a clausura: o silêncio das catedrais nos arranha-céus do meu apartamento mudado na cafetina das vitrines de todos os crimes, de todos os desejos, de todos os bocejos e tudo que estiver por vir.
As pálpebras e a cidade grande: a frieza murcha em burburinho pelas vanguardas clandestinas, pelas bombas, a fumaça dos automóveis, as vísceras da noite, os monopólios dos dias.
As pálpebras e os mísseis insones nos latifúndios agrestes com seus pederastas ocultos na estupidez homofóbica.
As pálpebras e o sono na periferia da fome onde uma desgraça é o polvo hegemônico da ganância no veneno absoluto do terror.
As pálpebras e o choro das crianças rebentando nas favelas que escorrem no meu peito.
As pálpebras e a procissão dos desvalidos que mordem a exclusão.
As pálpebras e os poetas candeeiros da vida no avariado intestino do Brasil.
As pálpebras e as guerras de sempre, a fome de ontem, os órfãos do futuro, o destino da vida e nada mais.

Hoje é segunda-feira de julho quando a clavícula fraturada arde pela morte e crava a sua dor no meu país.

Hoje é uma segunda-feira de julho pra uma terça que dá na semana e desinoiteço seguindo avante. E todas as terças são as mesmas quartas e dão nas quintas que não passam de sextas que rebatem no sábado e nada mais são todos os dias que um domingo sombrio em qualquer maio ou janeiro da vida no tédio da minha existência.

Hoje é segunda-feira e mesmo que o chão me falte e o equívoco impere e o embaraço ignore e o nirvana maralém e o choro nas pisadas e as ruínas itinerantes e a vida e a morte, nada mais, sigo avante.

Hoje é uma segunda-feira de julho e vou parindo passos na íngreme madrugada do Recife.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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