quinta-feira, fevereiro 28, 2008

POETAS CEARENSES



DANIEL MAZZA MATOS

ARTESÃ

No interior do Ceará, Maria José da Luz
Filha da mãe ressequida,
Nasceu ressequida
E perdeu a luz dos olhos
Quando os seus olhos de criança
Ainda não haviam provado o gosto pleno
Da luz.
Da lua, artesã, esculpe na madeira:
Lima, corta, desbasta, enforma.
Os dedos que enxergam, trabalham.
Os dedos que enxergam, trabalha,
Dão luz a escultura de madeira,
Golfinhos em salto, os corpos em arco,
Tão perfeitos, quase-vivos: não parecem ter saído das mãos,
Mas pescados nas redes de suas lembranças.
Do mar...
Quando pequena acompanhava o pai, da jangada
Via golfinhos brincalhões
Aos saltos
Rodopios
Os corpos em arco
Mergulhado no azul das suas lembranças.

A CRUZ E A FORCA

É o silêncio que não cala as verdades,
E o verbo que oscula as mentiras.
É o silêncio que se deixa enlaçar,
E o verbo que se colga livremente.
É o silêncio que pede o silêncio,
E o verbo que vende o verbo.
É o silêncio que é necessário,
E o verbo a última das instâncias.
É o verbo calado na forca,
E o silêncio altissonante da cruz.

CALÚNIA

A língua é uma adaga
No meio dos dentes.
É doce o gosto
Da salsa palavra.
É acre o hálito
Da falsa palavra.
A palavra da alma
É afiada navalha.
Afiada palavra
A palavra atassalha.
Afiada palavra
Palavra-punhal.
A palavra da alma
Sonoro arsenal.
O fogo do ódio
Cresce e respira.
A ira gasosa
Na alma-fornalha.
O fogo do ódio
Na palavra-palha.

REMORSO

Nos vinhedos da memória
Colhidas e pisadas
As lembranças vermelhas.
As sobras do vinhaço
Renascem nos vinhedos:
Das lembranças vêm lembranças.
A culpa amarga enche
O cálice do coração
Com remorso tinto.

A NATUREZA DA CULPA

Há um Paul na memória
De onde recende o cheiro
Ruim das lembranças podres.
Denso é o cipoal dos remorsos
A esganar a alma plantada
Na lama e que planta a lama.
De permeio à terra impura
Nutrem a alma-lama as
Espessas raízes da culpa.

DANIEL MAZZA MATOS – O poeta e médico cearense Daniel Mazza Matos é especialista em hematologia e poeta autor dos livros “Fim de Tarde” e “A cruz e a forca”, este último ganhador do X Prêmio Ideal Clube de Literatura.

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