sexta-feira, dezembro 14, 2007

PRIMEIRA REUNIÃO



Imagem: Guernica, 1937 (Museo Nacional Reina Sofia, Madrid) do pintor e escultor do cubismo espanhol, Pablo Picasso (1881-1973).

6 DE AGOSTO DE 1945, UMA SEMI-CANÇÃO PARA ROBERT LEWIS

Luiz Alberto Machado

- “Meu Deus, o que fizemos?”

Era seis de agosto de mil novecentos e quarenta e cinco.
Nem esperava um ataque cardíaco a vinte de junho de mil novecentos e oitenta e três.

O bolso cheio de dinheiro.
A vida pela tirania.
E cem mil olhares perdidos rastejando sob o sol.

- “Meu Deus, o que fizemos?”, proferistes.
Porém, “teria feito tudo de novo“ como se o seu orgulho norte-americano fosse superior em tudo e resolvesse a crise do mundo, um mundo que é o mesmo em todos os quadrantes.

E era mais cem mil olhares perdidos rastejando sob o sol. O mundo tremia e ainda treme. Tu ainda bates no peito e diz: avante! E este mundo continua ameaçado por uma nova guerra, uma outra catástrofe para que possas ressurgir salvador sob o símbolo da CRUZ DE PRATA e da CRUZ AERONAUTICA DISTINGUIDA para que muitos façam e digam a mesma coisa. E dirão.

E muitos milhões de olhares perdidos rastejam sob o sol. E um novo cogumelo de radioatividade ameaça reluzir para o gozo do teu prazer e de todos fodedores do mundo. E esse cogumelo reluzirá num Japão que não será mais Japão, mas América, a América do fim do mundo. E este confim será a Ilha de Guam onde o céu vai desaparecer com Susan Marcotte, a filhinha querida que nem soube das duzentas mil mortes de ontem e da mortandade futura.
Ela, Susan, vai dizer que é noite e não tem onde dormir no meio da incandescência gloriosa da águia. E ela deitará sua cabeça confusa no teu peito vibrante e verás que ela é uma Hiroshima despetalada carente de ternura e amor. E ela estrebuchará para tua ufanidade. E ela vai tentar fugir, correr, sumir, mas o Enola Gay será o terror cheio de esconjuro e sangue. Ela chamará o tio Tibetts que verá toda agonia, ele sorrindo, sem perceber o fogo destruindo a si e a todos do planeta.
Tibetts sorrirá, não sabe fazer outra coisa a não ser sorrir.
Susan chorará, pois não saberá fazer outra coisa a não ser chorar com os dez minutos que restarão para poder sussurrar: “Meu Deus, o que fizemos?”.

Era seis de agosto de mil novecentos e quarenta e cinco.
Nem se esperava um ataque cardíaco a vinte de junho de oitenta e três.

Tudo cinza, pó, poeira, radiotividade.
Tio Sam sorri. E o mundo padece de fome e miséria.
Tio Sam sorri e não há nada de novo sob o sol. Apenas o fato de que agora estás seis vezes morto, sepultado teu arrependimento, morta a tua glorificação.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. In: Primeira Reunião. Recife: Bagaço, 1992.

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