segunda-feira, novembro 19, 2007

W. H. AUDEN



Ser livre é com freqüência estar sozinho”.

Wystan Hugh Auden nasceu no dia 21 de fevereiro de 1907, em York, Inglaterra. Ingressou na Universidade de Oxford em 1925, onde mais tarde integrou um grupo de poetas. Sua preocupação inicial era com o papel do homem na sociedade quando tende a ser retórico e dialético, mas possuía aversão tanto ao fascismo como da filosofia de Marx, embora seja influenciado por este e por Freud, pois se manifestava um esquerdista cristão e anarquista, nutrindo desconfiança com relação aos políticos: “(...) O inimigo era, e ainda é, o político, isto é, a pessoa que quer organizar a vida dos outros e pô-los na linha. Sou capaz de reconhecê-lo instantaneamente, qualquer que seja o seu disfarce, de funcionário público, de bispo, de mestre-escola ou de membro de um partido político, e não posso topar com ele, por mais casual que seja o encontro, sem experimentar um sentimento de medo e de ódio”. Mais tarde tornou-se professor e a partir disso começou a focalizar sua poesia com um tom satírico com relação ao estilo de vida da burguesia inglesa e, ao mesmo tempo, a empatia de que dava mostras no retratá-la. Depois tornou-se roterista de cinema e casou-se por mera conveniência e por procuração com a filha do escritor Thomas Mann, a Érika Mann, com quem ele nunca viveu junto. Depois participa da Brigada Internacional combatendo na Espanha. Ao emigrar para os Estados Unidos, onde viveu quase 20 anos lecionando em faculdades e universidades, deixou-se dominar pelo espírito de religiosidade e passou a ser influenciado por Kierkegaard. Morou em Nova York onde manteve relações pessoais com Salvador Dali, Igor Stravinski, Edmundo Wilson, dentre outros. Auden adotou a ambigüidade religiosa tendo como principal característica a elegância e a riqueza inventiva da forma. Ele diz: “Tudo o que tenho é uma voz para desfazer o véu de romântica mentira”. E mais adiante: “(...) E o homem de hoje, através de seu sofrimento presente, ouve, longe ou perto, a mais velha de suas alegrias, o barulho da água, exatamente como foi um dia”.
No seu poema Lagos, dedicado a Isaiah Berlin, ele diz: “(...) Não é à toa que a cristandade só teve início realmente quando, torturada e alvo de prisões e grutas, seus pensativos chefes foram ao lago Ascaniano e inventaram, na praia infestada de cegonhas, a vida de Deus, tornando católica a figura de três pequenos peixes dispostos em triângulo”. Sobre esta temática ele escreveu o poema “A questão”:

Todos nós acreditamos ter nascido de uma virgem
(pois quem pode imaginar os seus pais a copular?)
e casos há conhecidos de virgens que engravidaram.
Mas permanece a questão:
De onde Cristo recebeu cromossomo extra?


O que encontramos em Auden é o que ele mesmo explicita acerca da poesia: “Toda poesia genuína é, em certo sentido, a formação de esferas privadas a partir de um caos público”. E segundo José Paulo Paes, “Para Auden, a poesia não nos possibilita fugir da vida mas concede-nos uma breve pausa de nossos problemas imediatos, dá refrigério aos espíritos cansados e relaxamento aos nervos tensos. À medida que vou ficando mais velho e os tempos mais sombrios e mais dificies, é para poetas como Horácio e Pope que me volto cada vez mais em busca do refúgio de que careço”. Assim, a obra poética audenesca tem, para Allan Rodway, a função de “(...) erguer-se acima do mundano, brincar com as palavras, entreter, e, sem pompas nem sermões, elevar os corações, as mentes e o ânimo dos seus leitores”. É como o próprio Auden diz no seu “Dos poemas breves”: “A esperança de um poeta: ser , como os queijos de certos vales, local, mas estimado alhures”. E como diz João Moura Júnior: “(...) Se sobressai no Auden de então o poeta público – fruto do período histórico particularmente conturbado que se estava vivendo – esse não deixa de incorporar a experiência privada. Se, por outro lado, é esta quem parece tomar as rédeas do poema a partir dos anos 40, isto ocorre sem que jamais seja posto de lado um certo registro adquirido na poesia pública. Daí a caracterica marcante desse poeta: uma dicção nobre, sofisticada, mas que nunca perde de vista o leitor”. Exemplo disso é constatado no seu poema “História de Detetive”, numa tradução de José Paulo Paes:

Quem jamais deixou de ter a sua paisagem,
A rua torta da aldeia, a casa em meio às árvores, tudo perto da igreja?
Ou então taciturna casa de cidade, a de colunas coríntias,
Ou então o pequeno apartamento proletário, mesmo assim
Um centro, um lar, em que aquelas duas ou três coisas
Que a um homem podem ocorrer, vão ocorrer de fato.
Quem não pode traçar o mapa de sua própria vida,
Sombrear a pequena estação onde se encontra com a amada
E diz-lhe adeus continuamente, assinalar o ponto onde foi primeiramente
Descoberto o cadáver da felicidade? Uma vagabunda ignota? Uma ricaça?
Uma coisa enigmática, sempre, com um passado bem sepulto: e quando a verdade, a verdade a respeito da felicidade nossa vem à luz, o quanto não devia ela à chantagem e aos namoricos. O que vem depois é o de costume.
De acordo com o plano: o conflito entre o bom senso distrital e a intuição, esse amador exasperante que sempre chega ao local por acaso antes de nós.
Tudo conforme ao plano, quer as mentiras, quer a confissão, até a emocionante caçada final, e a morte. Todavia, na derradeira página, uma dúvida insistente: e o veredicto, foi justo? Os nervos do juiz, aquela pista, os protestos da assistência, e o nosso próprio sorriso... ora, pois sim....
Mas o tempo é o culpado sempre. Alguém tem de pagar pela morte da felicidade, a nossa própria felicidade.



E no seu soneto Palavras, traduzido por João Moura Júnior:

Nasce um mundo da frase pronunciada
Onde tudo acontece tal e qual;
Na palavra a palavra está empenhada:
À fala, não ao falante, dá-se o aval.

Clara seja a sintaxe, e mais: que nada
Mude ao tema seu fluxo natural
Nem troque os tempos por amor à toada
Pois há tristes versões de pastoral.

Para que um blábláblá interminável
Se os fatos são nossa melhor ficção?
Antes o verbo facilmente achável

Do que da rima a falsa encantação,
Qual dança de zagais mima o insondável
Cavaleiro a vagar na solidão.


Os seus Versos de pé quebrado por um cidadão de prol, dedicado a Roberto Lederer e traduzido por José Paulo Paes traz:

A nossa Terra em 1969 não é planeta que de meu faça jus ao nome:
Vale dizer, um mundo que me dê sustância para manter o caos a uma certa distância.
As paisagens e climas do meu éden são construções eduardianas que procedem do tempo em que banheiros ocupavam largo espaço e se dizia uma ação de Graças antes do repasto.
O automóvel, tanto quanto o aeroplano, são úteis engenhocas, mas de caráter profano; a engenharia com que eu sonho move-se por energia hidráulica ou então vapor.
O raciocínio me inculca a aprovação da lâmpada elétrica, por que careço de afeição. Luz mais digna, a meu ver, de ser reverenciada, é um bico de gás no patamar da escada.
Os fantasmas da família combati e derrotei, mas dos seus valores jamais eu duvidei: achava-lhes a ética do trabalho, protestante, a um só tempo simpática e atuante.
Quando os casais tocavam e cantavam a duas vozes ter dúvidas era pecado, um dos mais atrozes. No que me diz respeito, até o dia derradeiro continuarei a comprar só a dinheiro.
Nosso Livro da Prece Comum sempre foi o de 1662: segundo ele, os sermões merecem gabo e as reformas litúrgicas são o diabo.
O sexo era decerto – e continua a ser – mistério dos mais atraentes, e de surpreender, mas a banca de revistas outrora não supria tal maniquéia pornografia.
A palestra era então arte de tão bom gosto quanto aprender a não soltar peido ou arroto. Qual o pior, que deles Deus nos livre: o anti-romance ou o verso livre?
Doutores da universidade não imito que vivem a escalpelar símbolo e mito: tenho-me por homem de letras e no rol dos que escrevem, ou esperam escrever, para um público de escol.
De permissividade ousa alguém acusar um sucesso escolar? Mais são as classes freqüentadas por mim, onde se estudavam o grego e o latim.
Conquanto eu não ache o termo legal se há de fato um hiato geracional, de quem a culpa? De velhos e rapazes que de aprender a língua-mãe sequer são capazes.
Mas amor, pelo menos, não é um estado d´alma em vogue nem tampouco já antiquado, e tenho amigos leais, reconheço-o de boa mente com quem converso e janto ocasionalmente.
Ei – que besteira! – um alienado? Pois como cidadão juramentado declaro que me sinto muitíssimo à vontade quanto tenho de me avir com a realidade.


As suas obras publicadas de Poesia: Poems (1930) The Orators prose and verse (1932) Look, Stranger! in America: On This Island (1936) Spain (1937) Another Time (1940) The Double Man (1941) The Quest (1941) For the Time Being (1944) The Sea and the Mirror (1944) Collected Poetry (1945) The Age of Anxiety: A Baroque Eclogue (1947) Collected Shorter Poems 1930-1944 (1950) Nones (1952) The Shield of Achilles (1955) The Old Man's Road (1956) Selected Poetry (1956) Homage to Clio (1960) About the House About the House (1965) Collected Shorter Poems 1927-1957 (1966) Collected Longer Poems (1968) City without Walls (1969) Academic Graffiti (1971) Epistle to a Godson (1972) Thank You, Fog: Last Poems (1974) Selected Poems (1979) Collected Poems (1991). De Prosa: Letters from Iceland (1937) com L. MacNiece.Journey to a War (1939) com Isherwood. Enchaféd Flood (1950) The Dyer's Hand (1962) Selected Essays (1964) Forewords and Afterwords (1973) Antologia: Selected Poems, por Gunnar Ekelöf (1972) Drama: Paid On Both Sides (1928) The Dance of Death (1933) The Dog Beneath the Skin: or, Where is Francis? (1935) com Isherwood.The Ascent of F.6 (1936) com C. Isherwood. On the Frontier (1938).
Auden faleceu a 29 de setembro de 1973, na Áustria.

AUDEN, W. H. Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

Veja mais W. H. Auden. E também o Guia de Poesia.